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Saúde Pública

Criciúma: o drama de quem cresceu na pobreza menstrual

Por 11 de abril de 2022novembro 7th, 2023Sem comentários9 min de leitura
Blog do Capac - O drama da pobreza menstrual

Miolo de pão, folhas de árvore, jornal de papel, sacola plástica, areia ou pano de roupa. Estes recursos não chegam nem perto de representar o símbolo da dignidade menstrual, mas, por muitas vezes, são os “melhores” amigos daquelas que passam pelo ciclo menstrual mensalmente. A preocupação com os riscos à saúde precisa ser deixada de lado e, os compromissos, anulados do calendário. Trata-se da realidade nua e crua vivenciada por pelo menos 22% das adolescentes brasileiras de 12 a 14 anos e 26% entre 15 e 17 anos, conforme levantamento da empresa Sempre Livre.

Separadas por 16,6 quilômetros, Cláudia*, de 59 anos, e Melissa, de 62 anos, são ligadas por um objetivo em comum: buscar recursos básicos de higiene para que as filhas não tenham uma história marcada pela falta de acesso a absorventes. Mesmo sem condições financeiras para comprar os itens, ambas recorrem todos os meses os grupo de doações dos insumos. Para muitas pessoas, é apenas mais um produto de higiene íntima. Mas, para elas, o despertar de lembranças tristes e dolorosas.

Natural de Tubarão, Cláudia mora em Forquilhinha com três filhos: uma jovem de 19 anos e dois rapazes, um de 20 e outro de 26 anos, além de um neto pequeno, de quatro anos. Mãe e avó, ela é o único suporte familiar. “Moramos nós cinco e passamos por situações bem difíceis. Sou dona de casa e não tenho condições de sustentar a casa sozinha, tanto que todos eles já trabalham pra ajudar”, contou.

Cláudia é uma das brasileiras que ao conversar sobre menstruação passa um filme pela cabeça. Quando ainda era adolescente, cortar suas próprias calcinhas para transformar em absorvente era rotina durante os dias do ciclo menstrual. Deixar de trabalhar, desmaiar de cólica por falta de dinheiro para comprar um remédio, e tomar banho sem ter um sabonete, também. Ela saiu da casa dos pais aos 20 anos, o que dificultou mais ainda o acesso aos recursos adequados para saúde íntima.

“Era tudo muito difícil. Às vezes eu não tinha nem roupas pra usar, porque sujava tudo. Na verdade eu nem lembro quantas vezes já deixei de ir trabalhar porque estava menstruada. Passei por tanta dificuldade sozinha e depois de casada também. Ao invés de comprar absorvente, eu comprava comida. Eu não queria morar na rua, então sempre comprei alimento e paguei água e energia em primeiro lugar”, explicou Cláudia.

A bagagem de Cláudia é triste. E, exatamente por saber o quão doloroso é estar dentro da pobreza menstrual, que busca por recursos para a sua filha todos os meses. Mesmo não tendo condições de comprar pacotes de absorventes, ela procura o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (Gapac) de Criciúma, que proporciona auxílio por meio do projeto Menstrue Livre.

A história de Melissa é semelhante. Criada por família pobre, ela teve o seu primeiro absorvente com 20 anos, depois de muito tempo menstruando. Suas netas, que ela cuida como filhas, também já passaram por algumas dificuldades para conseguir o absorvente. “Eu cuido como se fosse mãe. Uma tem 16 e a outra 11, as duas já menstruam. Já passei por tantas coisas ruins por conta da pobreza menstrual”, destacou, afirmando que garantir absorventes das meninas é uma das suas prioridades.

Melissa é uma das mulheres que por anos usou jornal para conter o fluxo sanguíneo. A higiene básica necessária era feita dentro de um rio, sem nenhuma barra de sabonete. Atualmente, também busca absorventes para as netas no Gapac de Criciúma. “São situações tristes e eu não quero que elas passem por isso, na escola as duas têm amiguinhas que dizem que usam papel higiênico no lugar do absorvente”, conta Melissa, emocionada.

Saúde

Usar outros tipos de itens durante o período menstrual para absorver o sangue pode trazer diversos malefícios para a saúde da mulher. São exemplos: infecção urinária ou cistite, candidíase; infecção vaginal por fungo e infecção vaginal por bactéria.

Segundo a ginecologista Beatriz Cristina Milanese, o jornal costuma ser a opção mais utilizada devido ao fácil acesso. Dermatite de contato é um dos problemas mais frequentes ao utilizar este tipo de papel. Trata-se de uma alergia na pele causada pelo uso de um material sintético. “A vagina é normalmente colonizada por uma população de bactérias que a protegem, chamamos de flora vaginal. O fluxo, de dentro para fora, faz uma limpeza natural do que é ruim, mantendo o que é bom no lugar certo. Imagine alguma barreira que não absorva corretamente este fluxo, ou que no contato com a pele da região da vulva (tinta, celulose, sujeira) cause ainda mais agressão”, destacou Beatriz.

Além disso, o intervalo de tempo correto para a troca de um absorvente e de outro é de até três horas. Quando esse tempo excede, a mulher continua suscetível a problemas físicos de saúde. “A demora para trocar um absorvente pode causar a proliferação de bactérias ruins, resultando em uma vaginose bacteriana”, completou a ginecologista.

Gapac

Foto da Alba

O Gapac existe há 28 anos. Idealizado por Alba de Souza, presidente e Assistente Social, o grupo atende pessoas que vivem em vulnerabilidade social. Trata-se de uma organização não governamental que abraça as mais diversas causas sociais. Proporciona alimentação, produtos de higiene e profissionais como enfermeiros, psicológicos e assistentes jurídicos à disposição daqueles que são cadastros.

Por meio do projeto Menstrue Livre, criado em maio de 2021, o Gapac contempla cerca de 300 pessoas por mês com pacotes de absorventes. Os produtos são acompanhados de shampoo, sabonete, escova de dentes e desodorante. “Nós montamos tudo dentro de um kit e entregamos para aqueles que vivem a pobreza menstrual. Mas como vivemos apenas de doações da cidade civil, nem sempre entregamos todos esses insumos de uma vez só, é conforme recebemos”, salientou Anne Schmitz, assistente social do Gapac.

A iniciativa atende mulheres de Criciúma, Forquilhinha e Siderópolis. Além de disponibilizar os produtos de higiene, os profissionais das Gapac orientam todas as pessoas a como passar pelo ciclo menstrual corretamente. “Usar um absorvente só durante todo um dia ainda é vivenciar a pobreza menstrual. Nós entregamos sempre 20 itens, que é o necessário para ser usado durante os dias. O acesso a informação é necessário”, disse Schimtz.

Projeto Elas

Criado em outubro de 2020, o Projeto Elas tem o intuito de distribuir absorventes para mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade social e são cadastras em instituições de apoio. O programa desenvolvido em Criciúma conta com cinco voluntários e já beneficiou 800 pessoas durante esses dois anos. Junto a distribuição dos insumos, são promovidas rodas de conversas com orientações sobre o ciclo menstrual.

A Casa do Hip Hop, Centro de Referência da Assistência Social (Cras) de alguns bairros, e a Nossa Casa, são alguns dos locais já visitados pelo Projeto Elas. “Todas as entregas são feitas por meio de instituição, que fica responsável por oferecer os insumos às mulheres que frequentam à sede”, explicou Sofia Quarezemin, voluntária do programa.

Assim como o Gapac, o Projeto Elas também entrega outros produtos de higiene: shampoo, sabonete, pasta e escova de dente, porém também é firmado através de doações. Cerca de 25 absorventes são doados para cada pessoa e, quando o programa coleta mais insumos, são entregues até 32 itens por mulher. “Distribuímos os produtos e sempre fizemos a orientação adequada. Já escutei vários relatos sobre o que o uso de outros itens pode afetar a saúde da mulher”, afirmou Sofia.

Distribuição de absorventes na rede estadual de ensino

O Governo de Santa Catarina publicou um decreto na última semana, que autoriza o início da distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes da rede estadual. Trata-se de uma iniciativa vinculada ao programa Gente Catarina, que tem como objetivo combater a pobreza menstrual nas escolas. A estimativa inicial é beneficiar cerca de 60 mil alunas catarinenses com essa ação.

De acordo com o governador Carlos Moisés, o um ato é uma forma do combate à pobreza menstrual ganhar ainda mais relevância no contexto da escola e de jovens que deixam de comparecer às aulas em determinados momentos.

A distribuição dos produtos será destinada a estudantes da rede estadual de ensino com 10 anos ou mais cujas famílias estiverem inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal. O Governo do Estado já adquiriu 700 mil pacotes de absorvente que será entregas ainda em abril, por meio do Núcleo de Educação e Prevenção às Violências (Nepre).

Menstruação Sem Tabu

A Lei Menstruação Sem Tabu, número 7.929/2021, criada pela vereadora Giovana Mondardo da Câmara de Vereadores de Criciúma, institui diretrizes para a Política Pública, de conscientização sobre a menstruação e a universalização do acesso a absorventes higiênicos dentro do município. O objetivo é contribuir com o conhecimento sobre o assunto e viabilizar acesso aos absorventes higiênicos femininos.

Desde julho do ano passado, a Lei em vigor já beneficia milhares de criciumenses que não possuem condições de comprar absorventes higiênicos. O regulamente ainda prevê a distribuição dos insumos dentro das escolas municipais.

*Nomes fictícios

 

Fonte: Letícia Ortolan/Especial Tribuna de Notícias
Criciúma

GAPAC

O GAPAC, Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS de Criciúma. é uma instituição que trabalha efetivamente na prevenção de DST/ HIV/ AIDS; apoiando e realizando ações que promovam a vida e a igualdade de direitos, excluindo preconceitos e discriminação. Propondo atividades fundamentais afim de auxiliar nesse processo de construção da cidadania.

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